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As Voltas que no Mundo damos


Ontem fui visitar um amigo que sempre está perto em alguns momentos cruciais da minha vida. Nos conhecemos desde a adolescência. Ficamos um tempão afastados por conta das escolhas e responsabilidades profissionais, mesmo trabalhando ambos em comunicação (ah, essas ironias!). Um dia, de repente, nos cruzamos em um restaurante em Moema. Ele de saída, eu chegando pra almoçar. Foi um encontro incrível, dentre vários outros encontros casuais que tivemos depois, o Universo sempre nos rejuntando, rs... Mas não é deles que vou relatar agora. Nem mesmo do nosso encontro de ontem, marcado com antecedência. Na verdade, vou escrever sobre o que fazem os pés.


Em vários países orientais é comum tirar os sapatos antes de entrar em espaços sagrados ou na casa de alguém. Na Alemanha também existe este costume e, com a pandemia, muita gente está tendo mais cuidado com este tipo de higiene. Assim, tirei as minhas sandálias antes de acessar o piso impecável, limpo e lustroso do apê do Virgílio, este meu amigo tão querido, de tantas décadas. Com os pés descalços, me livrei dos saltos altos, a energia e a conversa fluíram com naturalidade, leveza e profundidade.

Falamos de nossas peregrinações - de encontros, de sincronismos... de lugares por onde nossos pés deixaram suas marcas. Sim, somos todos peregrinos, como o da figura que o Virgílio, aliás o artista visual ‘Virgílio Neves’, desenhou, postou e deixou fluir uma linda história que ele um dia vai contar para o mundo. Enquanto isso, caminhamos.

Nem sempre nos damos conta das nossas pegadas: algumas são rasas, outras mais profundas e marcantes. Uma parte delas permanece, outras o mar ou o vento levam. Umas são nítidas, outras não dizem ou não representam nada, ficam meio desfocadas em algum canto por aí. Os pés carregam o peso do nosso corpo, mas a alma precisa ter leveza para que, ao caminhar, não colecionemos bolhas e/ou feridas.

Sem calçados nos pés, ficamos mais expostos – e livres! Sim, podemos queimar os pés na areia quente ou sentir a dor do frio num chão gelado. Mas um sapato apertado também machuca muito!



O PEREGRINO | Virgílio Neves

Acervo particular de Rose Ferraz


Ultimamente, tenho pensado muito nos meus pés. Uma bela de uma massagem, não seria má ideia! Os meus pés andam cansados dos pisos retos, alinhados no concreto. As curvas dos pés foram feitas para contornar o terreno, amoldar-se às formas da terra, das pedras, das plantas rasteiras, a desviar dos bichos... Ao deslizarem numa superfície escorregadia, experimentamos a insegurança e, em uma fração de segundo, o desequilíbrio avisa que o controle é uma ilusão, que o rumo anteriormente traçado pode mudar.

Para caminhar, portanto, os pés precisam estar preparados. A jornada, seja ela planejada, improvisada ou apresentada, sempre tem seus percalços. Sempre. É um sobe e desce infinito, intimamente conectado ao nosso coração, ao ar que respiramos. Somos guiados pelas emoções; E se algum obstáculo bloqueia nosso trajeto quando menos esperamos, a taquicardia dispara. É preciso ter cuidado onde pisamos. Há terrenos sagrados, há terrenos proibidos... há terrenos movediços, traiçoeiros. A planta dos pés tem relação com todo o nosso corpo. Machucá-las, significa machucar o nosso corpo. Por isso, às vezes a melhor coisa a fazer, é tirar os pés do chão e deixá-los flutuar, voar... se soltarem! Eu adorava fazer isso quando criança. Subia no balanço e me jogava o mais alto que podia. Daí, quando as correntes do balanço perdiam a rigidez, eu dava aquele ‘salto voador’ e firmava meus dois pés no solo, muito realizada com o meu feito, rs... Ah, como era boooooooommmm...!!! :-) Hoje, adulta, vejo isso como: sonhar e realizar. É um ato de entrega e de autoconfiança, essencial também em momentos em que o terreno se torna íngreme, pedregoso ou liso demais. Daí, nada melhor do que manter os dois pés no chão para ter clareza e saber onde pisar. Quantos alpinistas já não se acidentaram porque pisaram em falso numa pedra solta...?! E, claro, os pés não fazem nada sozinhos nessas horas de perrengue. Por isso temos aquelas ‘mãos amigas’, que intervêm para compactuar a força e a coordenação a fim de que possamos realizar o nosso propósito.

Em nossa trajetória, também encontramos outros pés. De tudo quanto é forma e tamanho, de mestres e peregrinos de todo tipo. Os meus são bem grandes, tamanho 39 - na Alemanha viram tam. 41. Por isso, apesar de gostar dos meus pés pelo que me proporcionam de movimentos, eu não gosto muito de mostrá-los. Uma bobagem, né? Vira e mexe alguém de algum grupo inventa de bater a foto dos pés de todo mundo, em círculo! Aaaah... lá vou eu, superar a minha vergonha, hahahaha...! Talvez por isso tenho pensado tanto nos meus pés. Tá na hora de cuidar deles com mais carinho, de ter orgulho deles.


E os seus? Por onde andam os seus pés?


Um dia eu senti um desejo profundo

De me aventurar nesse mundo Pra ver onde o mundo vai dar

Saí do meu canto na beira do rio E fui prum convés de navio

Seguindo pros rumos do mar...


NA VOLTA QUE O MUNDO DÁ

(Vicente Barreto e Paulo César Pinheiro)

Intérprete: Oscar Ferreira






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